Quando o assunto é Capoeira, ele se enche de entusiasmo, energia e compreensão.


Repórter: Fale-nos um pouco sobre o ambiente em que nasceu, Mestre.
"O dia-a-dia na fazenda "Estiva" era típico: acompanhava os vaqueiros em suas atividades diárias e lá vivi até os 12 anos, quando minha família se mudou para Jacobina, a 40 minutos da fazenda. Depois nos mudamos para Salvador. Eu gostava de montar a cavalo, caçar, tomar banho de rio, criar animais, uma vida comum de um garoto de fazenda. Naquela época não conhecia televisão, telefone - só conheci quando fui para Salvador."

Repórter: Como foi o seu primeiro contato com a capoeira?
"Foi ainda garoto, ouvindo as histórias que os mais velhos contavam sobre os capoeiristas do Sertão que tinham o corpo fechado, que se movimentavam no chão, davam rasteira, derrubando várias pessoas ao mesmo tempo e ninguém conseguia segurá-los. Eu sequer conhecia o berimbau. Camisa Roxa foi estudar em Salvador e lá conheceu alguns capoeiristas e foi treinar na academia de Mestre Bimba. Nas férias, quando voltava para a fazenda, passava o que aprendia para mim, meus outros irmãos e meus primos. Certa vez ele me levou a Salvador e tive o prazer de conhecer Mestre Bimba, que só conhecia de nome. Senti toda a sua força. Vendo todos treinarem, fiquei fascinado. Ao voltar para a roça fiquei mais motivado e passei a treinar no curral, dando pulos sobre o esterco do gado. Dava saltos mortais na beira do rio, todos da família estavam aprendendo. Depois que meu pai faleceu, a família se mudou para Salvador e minha mãe continuou cuidando da fazenda. Fui morar na Liberdade, o maior bairro negro, um dos maiores redutos de capoeira de todos os tempos de Salvador, onde se realizavam as tradicionais rodas de capoeira de Mestre Valdemar e Mestre Traíra."

Repórter: Quem treinava com você na Academia de Mestre Bimba, na sua época?
"Treinavam comigo Onça Negra, Macarrão, Torpedo, Pimentão, Nenel, Formiga e Demerval. Na época já eram formados e treinavam lá: Canhão, Alegria, Luís, Quebra Ferro, Malvadeza, Valdemar, Sarigue e muitos outros."

Repórter: Como surgiu o apelido Camisa?

"No início o pessoal me chamava de Camisinha, tanto por ser o mais novo quanto por ter um irmão - no caso o Camisa Roxa -, formado pelo Mestre Bimba. Eu fui o quarto da família a me formar. Com o tempo meu irmão mais novo passou a ser chamado de Camiseta e passaram a me chamar de Camisa."

Repórter: Seja na Bahia ou no Rio, qual foi o momento que mais te marcou, como capoeirista?

"Quando conheci o Mestre Bimba."
Repórter: Qual a sua filosofia de vida?
"Minha filosofia de vida é a capoeira. Jogo desde criança, ela se desenvolveu dentro de mim. Minha forma de ver o mundo é através dela, que me deu condições de aprender a respeitar o próximo, saber que nessa vida somos todos iguais, independente de condição social. A capoeira me deu jogo de cintura para conseguir superar as dificuldades do dia a dia e me ensinou a ganhar e a perder, principalmente a perder, porque para ganhar todo mundo está preparado. Me deu condições de ter uma profissão com a qual que eu me identifico totalmente e sobrevivo tendo liberdade de agir, pensar e desenvolver meu trabalho da forma que eu achar mais correta. Nunca tive outra profissão e nem gostaria de ter. Crio e educo meus filhos com a Capoeira. Através da capoeira eu tenho a possibilidade de ajudar muita gente e também de ser ajudado. Foi dentro dela que fiz muitas amizades e aprendi tudo o que tento passar para os meus alunos. Por isso é que uma brincadeira de criança se transformou numa filosofia de vida."

Repórter: Qual a relação que há entre a vivência do capoeirista dentro da roda de capoeira e na vida pessoal?

"Na roda de capoeira temos que tentar ludibriar, confundir e envolver o outro jogador para induzi-lo a fazer o que se quer. São táticas que nos ensinam a ter jogo de cintura e a perceber a maldade. Também ajudam a ver a vida de uma maneira maliciosa quando se dobra uma esquina. Agora não se pode levar para a relação diária dos capoeiristas, se não ninguém nunca poderá confiar em ninguém. Acontece que alguns acabam fazendo na vida o que deveriam fazer dentro da roda e este é um dos conflitos do mundo da capoeira. As pessoas levam a falsidade e a malandragem para a vida. É preciso saber separar. Para mim por exemplo, que sou um sujeito sincero, é difícil ter amizade com este pessoal que só visa tirar proveito de tudo e que se alguém vacilar toma logo uma rasteira. A esperteza e malícia devem ser mostradas dentro da roda."

Repórter: O que você acha da capoeira atual?
"Acho que ela cresceu muito, mas a formação de seus professores ainda deixa a desejar. São poucos os lugares que oferecem uma formação adequada para as pessoas que querem dar aula de capoeira."

Repórter: E a capoeira no exterior?

"Também está crescendo muito. No exterior não existem os preconceitos e as dificuldades que existem no Brasil. E é por isso que o camarada sai daqui despreparado e vai trabalhar no exterior. O que salva é que tem também gente muito boa lá. Isso é reflexo da má formação dos professores de capoeira no Brasil. Os estrangeiros estão se preparando e vindo ao Brasil se aperfeiçoar em capoeira. Se não melhorar a formação dos professores brasileiros, esse మెర్కాదో
Repórter: Além de capoeira, o que você gosta de fazer?

"Gosto muito de bater papo deitado numa rede, ouvir música brasileira, ir ao teatro, andar a cavalo, criar animais e ficar perto da natureza. Mas tudo o que faço na vida é através da visão da capoeira. Se falo de história, política, economia, meio ambiente, enfim, em qualquer assunto, a capoeira acaba interferindo. Foi a capoeira que me ensinou a ser cidadão, a ser um brasileiro consciente e pleno."
Repórter: Cite-nos uma tristeza e uma alegria, na capoeira.
"Tristezas tive muitas, mas alegrias muito mais! A pobreza de espírito de muitos capoeiristas; alguns alunos de mau caráter; a morte do Mestre Bimba; os Mestres antigos passando necessidade; não ter dado a devida atenção que meus filhos mereciam, em virtude da capoeira. Para compensar, tive muitas alegrias: ter saúde; meus 3 filhos; minha mulher; meus alunos; o reconhecimento das artes marciais; saber que a capoeira está no mundo inteiro e que eu participei bastante desse processo; ter criado o CEMB (Centro Educacional Mestre Bimba –RJ), ter sido aluno do Mestre Bimba; ter convivido com os grandes Mestres da Velha Guarda da Bahia; ter criado a Abadá; ser brasileiro, apesar dos pesares; conhecer muitos continentes; ser irmão de Camisa Roxa, que me ensinou a ser capoeirista de fato; ver a capoeira ser reconhecida pela sociedade, pelos meios de comunicação e pelas universidades."
Repórter: Qual a sua mensagem para os capoeiristas?
"A Capoeira não é só jogar: todos devem procurar estudar e aprender a conviver com as diferenças. A informação e a pesquisa são os grandes trunfos do capoeirista contemporâneo. Hoje, quem não procurar estudar não vai para frente ou então será rapidamente superado por seus alunos, porque o universo da capoeira é muito rico e não tem apenas um segmento. Procurem ter contato com a velha guarda da capoeira que são os verdadeiros detentores de um saber que está desaparecendo. Este elo de ligação do passado com o presente é muito importante para o desenvolvimento da capoeira, que na verdade é uma grande árvore e o que segura é a raiz. Sem a raiz não há alimento para os novos frutos."

4 comentários:

  1. Olá,
    tive um tempo sem acessar o blog, e hoje me deparo com esta entrevista, muito bom tava um pouco relaxado com os treinos e estudos, mas com certeza a entrevista diz muito do que é o capoeirista de hoje.
    continue com este bom trabalho
    axé
    abrç,s

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  2. Vandeildon Figueiredo3 de setembro de 2009 às 19:33

    Olá Camisa,

    Sou aluno Renato Souza da Silva (Sariguê) gostei muito da reportagem, ja assisti ao filme Mestre Bimba e A Capoeira Iluminada achei show.

    Forte abraço e Sucesso.

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  3. oi, quem é que quando ouve falar de capoeira nao se facina?

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  4. realmente essa arte é fascinante, não consigo imaginar o q passa na cabeça de uma pessoa q fala mal de capoeira

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